quinta-feira, 20 de outubro de 2011

fazendo hora extra

o suicida nasce morto, anencéfalo,
vivendo no tempo roubado ele oferece, tenta,
pagar sua dívida com seus pecados -
estancar a infecção na fonte para que
o veneno não espalhe.
coração de suicida bate constante o compasso,
um metrônomo, o alarme:
"tarde demais, tarde demais, tarde".
o suicida é estéril,
um passageiro atrasado que perde sua estação,
pernoita na estrada.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

no lusco-fusco

toda noite de sítio,
densa e estranha,
eu perscrutava a escuridão,
o corpo teso feito um arco,
torto, firme,
pronto para disparar ao primeiro movimento,
esse meu corpo obsoleto
feito um arco.

debaixo do mundo, à postos,
esperando minhas ordens ou então,
uma revelação divina
que viesse daquele céu impossível,
um óvni,
o comandante-anjo de Alfa Centauri,
com seus três olhos e a pele mais verde
que os cabelos de Iemanjá.

caçando pirilampos, fogos-fátuos,
uma luz qualquer,
Deus ou fogos de artifício,
a nave-mãe.

seus olhos de holofote,
como um vagalume,
mal surgem e já se apagam,
desmancham feito celulose na água,
um balão na noite escura,
uma flecha.

eu fecho os olhos, faço um pedido,
volto para casa.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

cortador

verão
sol refletindo nos parachoques
uma mosca zunindo, aporrinhando
o suor
e
s
correndo
da ponta do seu nariz perfeito
sua testa brilhando
como seus dentes
uns parachoques
me derretem feito um disco esquecido
no parabrisas
te ofereço um sorriso amarelo,
grama recém-cortada

terça-feira, 20 de setembro de 2011

pingue-pongue

você não vê, diz ele

você não crê, diz ela

em quê, diz ele

você, diz ela

não sei, diz ele

eu sei, diz ela

cansei, diz ele

ganhei, diz ela

the doin' does you in

sometimes i like doing the dishes better

than making love, or dancing,

or anything really, anything that isn't the water running,

washing me away

and as i scrub the muck of Tv dinners and homemade spaghetti sauce

off of knives and forks and spoons and suddenly they're new

and maybe i am too, a bit, so even if my back hurts all i want is to go on, to be hung out to dry.

maybe i could be laundry that glistens in the sun, set straight,

not crooked, hunchbacked -

and you'd never leave me out in the rain.

then you could iron out the flaws and imperfections, steam me,

dust me and polish me up, who knows.

but it wouldn't ever go like that;

the hair keeps falling in my eyes

and i keep getting in the way,

of dishes, of dancing, but maybe not of love.

urbanóide

o mecanismo descompassado dessa cidade me prende

em arritmias de trânsito, nas lobotomias dos anúncios,

e meu próprio sopro falível se perde junto

à fumaça de mil exaustores;

a única fruta que cresce aqui, em formato de coração, da cor do mesmo,

é a sua boca.


minha respiração é cutânea e toda vez que me toca,

a prende.

sem ar, cansada de trocar mensagens de celular como se fossem

coleções de borboleta, mortas e secas,

figurinhas,

com gratidão me entrego a asfixia.

acesa, me liberto do monocromático que perdura nas paredes angulares,

em prédios sedimentados,

me entrego à arritmia de quando me toca porque,

dentro do universo de sua pele na minha,

todas as cores são quentes.


pela cidade desfilam pessoas, congeladas e polares,

orbitando egocêntricas como se

a gravidade fosse mais densa em seus eixos,

movida pela inércia que cruza os postes -

enfileirados como vítimas de guerra-

alheias a supernova que se forma em nossos peitos:

e eles degelam, rompem a barreira do som

e cantam:

pelo vislumbre, num olho, do céu estrelado.

if there is God

if there really is a God then He is a kid with the first cigarrette,
grit in the teeth and muck in the lungs,
burnt paper,
are swallowed in the cough.

if there really is a God then He's a blacksmith,
with bellows all too ready,
with the anvil, with the hammer,
and the fire.
the fire mostly.

dear God,
was it really You what made me to redden and to crumble,
for the ashtray, for the everyday -
and every day's crux?

dear God,
I promise not to ask, if You promise not to give,
but maybe that is something I should really ask your Son.

it is a rusted edge, I find, the iron in me;
that familiar undercurrent that relates the metal in me
and in Him :
our Father's love of nails.

uns versos

De que me valeram todos aqueles versos tornados vazios,

Aqueles que queimaste junto às cartas e aos trapos, aos traços de mim?

Nada, serviram só de alimento, fomento, para aquela sua risada que zombava de mim,

Assim, sem afeto.

Foi apenas um gesto entre outros tantos e tão irrelevante e triste quanto esses

Meses sem você.


me acorda

Minha caixa toráxica é um claustro,
meus ossos grossos, mal ajambrados, parecem-me bocarras:
seus dentes pristinos mais brancos que a pele que ferem.
Já meu sopro é um prisioneiro enfêrmo e incapaz
de resfolegar além dos limites de sua jaula.
No entanto, trocamos cartas de amor,
as passamos por entre minhas costelas e rezamos -
pequenas novenas para que as palavras sigam sua procissão
completa; que escapem com vida dessa masmorra.

Por vezes meu coração se desespera:
aflito, se debate
entre estruturas sólidas por demais
aflito, se desmancha-
e, aflito, tinge as paredes de carmim-escarlate,
goteja
o pássaro inerte
com sua boca inchada daquela que já não responde.

E é o vermelho que enrubesce suas faces, não as dele,
que as desce e sobe às minhas
num despertar estridente de ambulância, insistência de despertador-
ele reverbera em ultrasom, espalha as cinzas,
faz em brasas, não deixa pedra sobre pedra.
Dos meus lábios incandescentes um novo-antigo latejar:
ritmado.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

mevapora

piso nas pedras enquanto sua voz me diz

lápis de cor e nota musical –

meus cotovelos todos e meus punhos rijos tocam

em mim apenas,

e são seus olhos que me abraçam:

queda-livre n’água – movimento suspenso – respiração cutânea.

sua boca quente

mevapora

em pedaços de papel, versos de amor

picotados,

uma criança que ora,

sinto como seus cabelos soltos, bolhas de sabão;

me sinto o vento.


pausa

intimidando a minha criação,

afugentando-a com uma vassoura,

enxotada para o quarto dos fundos

entre folhas rasgadas, esboços,

trancada

a criatura dorme,

com fome sonha,

vê o dia em que devora o criador

e depois chupa os ossos

domingo, 11 de setembro de 2011

uma lista

quero jogar donkey kong,

ser herói de bangue-bangue

tomando um chá de ylang-ylang

para alinhar meu ying-yang

fazer feng shui,

dar um chá de sumiço, de cadeira,

eu preciso tomar a dianteira e

usar chroma-key e

efeitos especiais,

com direito a câmera lenta

ir para o espaço,

para o abraço,

ter suíngue e samba,

vergonha na cara,

ter coragem,

escrever uns versos,

dar uns amassos,

conter o dano,

estancar meu sangue,

morrer dormindo,

sorrindo,

sonhando.

preciso, mas nem tanto

eu precisava:

deixar o cabelo crescer,

começar a correr,

perder peso,

a vergonha,

a cabeça.


para ganhar você.

jesus and i

when I was a child I saw a crucifix,

it lay on my grandmother's drawers quite literally -

strange underthings like the ghosts of all ancient closets

haunting this tiny person

made me feel for him more than any cathecism would ever inspire

and I took him to my room to play with teddy 'n me.

they found us smeared with lipstick, he shrouded in doll clothes,

the heavy cross like some odd corset, a bustier.

it my first spanking, a sermon, on July ninety-two.

eu, meu chernobyl

A minha culpa escorre pelos canais das veias,

Espalhando-se grossa e malcheirosa,

Translúcida-

Não posso vê-la - outros sabem;

Sou saco de ossos, mas saco-plástico:

Exposto rosto e coração putrefato.


Os vermes em meu crânio me são soberanos,

Mastigam ligações formando novas vontades.

Nos pulsos impulsos pulsam

Me diz diz diz dizendo

Que todo passo faz compasso à doença.


Essa língua que se arrasta pelo chão deixa um rastro,

De saliva e de insalubridade,

Essa língua ferina que me corta o baço:

Libera humores aprisionados

E eles brincam de roda e pula-sela,

Brincam de chutar a cadela.


Se eu plantasse os dentes germinavam bombas, não cravos,

Floresceria extermínio.


sexta-feira, 9 de setembro de 2011

pedindo um trago

da desculpa,
seu gosto no meu,
boca-à-boca,
no lábio,

e língua,

meu rosto frio contra a fumaça
e você
-não entendeu-
me passa um cigarro novo do seu maço.

eta bicho feio

bichos feios,

humildes

os bichos feios e conscientes

são aqueles que estão

nas graças do divino

como eu,

à espera de um milagre

passagem permitida

um cruzamento:

as ruas safadas, despudoradas

copulam;

dão luz à semaforos, à pedestres,

e

(as mais ousadas)

até paralelepípedos.


assim não dá,

tenho medo da censura,

o que acontece se disser

pare-siga-pare-siga

siga

siga

siga

até parar,

o exaustor;

ou então,

estacionamento permitido -

desejado até

entre ruas que cruzam,

rotatórias,

intersecções.

errata

não acho mais nada:

relaxo.

finjo que não estou errada

quando estou

é fácil,

mais que tentar

estar certa

quando sou assim, tão errada

lidando

Título:

na manhã de domingo agora

(15/08)

morre poeta

deixando para trás

uma linha-fina,

duas aspas,

nenhuma explicação.


a questão está no uso do olho,

em sua função, complementar,

redundante,

voltado para dentro,

para si,

para o filme da morte

rodando atrasado,

fechado,

dentro de si

ponto.

fazendo tipo

você,
capitular Você
recapitula
se faz de uma consoante menor
e escapa por minha língua
enquanto seus dedos
VERSALETEM
meu corpo nos rodapés

meu corpo

um saco de ossos

um saco,

uns troços

amarelados (surpreendentemente maciços)

falando em estalos e crepitações,

cantando como baquetas

ou búzios

cegos


os depósitos mineirais

nas antigas fissuras

acumulando como água num tanque

como um raio laser,

vilões de filme

numa produção de baixo orçamento-

num saco cheio feito

uma bexiga tesa,

cheirando à látex e saliva

a velhos ossos


quase visíveis sob as estrias,

sob a pele elástica

no esforço ativo da revolução,

da causa:

empurrando,

empurrando.

quase invisíveis esses

ossos amarelos,

esses troços,

um saco de carne.

(mas é brincadeira)

gosto que levem a sério

as minhas desgraças

eu gosto

das

que levem a sério

meu gosto

e as minhas desgraças

eu gosto

da desgraça que levem a sério

meu gosto

é que levem as minhas desgraças,

sério!

sapatos velhos

sapatos velhos,

com seus cadarços puídos,

e a borracha gasta,

conhecem todos os caminhos que

mapa nenhum saberia

castratto

duas bolas

uma quase-esfera

peluda

quente a

linha de incisão

a costura

-

snip

snap

-

meu gato mia árias com seu vibrato de eunuco

um beijo

a noite fria e

a sua boca quente em

minha nuca branca (e nua

como a lua:

cheia de segredos)

um sobe-e-desce

que murcha, infla,

como a noite quente

sua boca em mim

um campo de trigo

os seus cabelos são

um campo de trigo,

tristes tigres,

a colheita,

a cevada nova,

rente, rígida,

esfarelando entre os calos

do fazendeiro

enquanto o sol faz com que

cresça lustrosa

e farta;

como o vento os meus dedos

escapam por entre seus cabelos,

um campo de trigo.

aquele momento

é fagulha,

baunilha

a sua boca na minha

braguilha -

o gosto do seu suor -

no arco das minhas costas

na curva dos seios

no pico

do nosso

eletro

cardio

gra

ma

ah

até a morte repetida

a pipa do Pedro

não me lembro do primeiro livro,
o que eu mesma li
página após lenta página,
com suas letras familiares e esquivas
e imagens que deveriam ter ficado para sempre em algum cantinho escondido de mim;
e provavelmente o fizeram
ali, onde não sei alcançar
em algum lugar que se faz meu,
mais meu que qualquer coisa que você me diga
ao pé do ouvido, ao pé da cama
e que me escapa de um jeito diferente,
e não me toca.

se fosse outro livro talvez
eu não fosse quem sou:
ou não fosse um pedaço de mim
que se definiu e se perdeu.
talvez eu devesse encontrá-lo, sabendo que já não posso,
e exigir daquelas palavras infantis algum significado
maior do que ficou,
ecoando entre tantas outras páginas.

talvez cada nova palavra seja apenas uma busca
para preencher aquele espaço
que não é tanto para palavras,
e totalmente significados.

2008

esse foi o ano da praga
que pairou sobre meu sexo, mil gafanhotos,
me encheu de pústulas e me fez pior,
o rosto mais atravancado, engasgado no sangue,
abatida.

e o sangue- esse que inundava o humor aquoso
não pelos meus olhos, mas por trás-
não foi o suficiente para marcar minhas portas
e manter meu eu à salvo,
o eu de antes que conhecia o sol,
que não coaxava.


nem meu desespero pôde partir os mares

que fechavam à minha volta, revoltos,

no meu nariz um enfarto, em meus lábios nem sei.


Iemanjá, rainha, se sete ondas bastassem,
quem não diria dez,
pula de
z ondas desse mar da cor dos olhos meus

(água de olho é lágrima, mãinha, aí o sal)
e me faz um adeus, coisas que não podia guardar.

até uva-passa

o tempo passa, até uva passa.

passa boi, passa boiada…

alguns vão pra Pasárgada.

Passa-tempo, passa-anel,

passadas largas.

até uva passa. saudade não.

giving time to time

there’s somewhere that we’re at
and it’s not the same from yesterday.
i look to my cellphone like it’s an oracle
maybe it will divine the differences in space
how time’s really a place and that not now,
not yet then either.
i’m not sure how to move in these currents,
my phone isn’t ringing, it is dead,
less than a head, voiceless,
no good.
maybe i’m no good either,
growing voiceless, and unmoving and that is why.
i wait for time like i wait for ringing,
like i wait for you,
i want to feel the motion-
i am so sick of waiting i’ve put coins over my eyes,
i’m crossing the river.
i’m not going to look back all the time,
i’m not going to look back at all.

oops-a-daisy

I listen as the telephone clicks and rings,

I think of licks and things,

then shake my head.

You don’t pick up, but then, I don’t suppose you would.

There will be no more pick ups and pick me ups and then picking up the pieces.

- not after last night and the morning after and partway through the afternoon -

Now there’s just the hanging up and the hang ups of that last ‘see you soon’.

So I let the receiver crash in my thighs- never said goodbyes, last night’s night cries,

the ringing and the operator’s judgmental silence-

and I wonder.

Is this the way the world ends, after the bang just a whimper?

learning prophanity at the hands of love

my mouth whispers songs like they’re prayers,
and even if there was a god out there, not that i’m calling it;
then he made me to break and sway where i should be unfaltering
and still, i speak your name, i call:

it is holier than the silence around it and than that of any clean, white place,
like that of the hospital ward,
with the crazy people in it and me too;
me with my crazy laughter that got left behind there,
crazy or not.

and then there was the coming of you and i thought mayhap i’d get it back,
but that night in my room there was only more silence,
not that of holyness but my being tongue-tied and afraid of the wrong things to say and so saying nothing, nothing at all until that it was
nothing at all.
and you left, maybe you didn’t see it, the temple i had built in my worship,
you certainly didn’t hear anything, but then, i guess that’s the problem with faith:
it could never answer back.

so there i was, with a heart shaped hole where you’d passed,
shaped like a church bell,
shaped like you,
like nothing at all, ‘cause that’s holes for you.

your body, a christmas tree

i used to love this time,
singing christmastide
decking that house, my body,
basking in a glory not mine -
no, not mine;
but the lights they made my face feel warm,
and blushing
and sent all kinds of raibows to play around my body,
to dance inside my arms.
then a fire caught, electrical,
my hair, it stood on end,
and my skin was too too hot:
little tree you shuddered up like you were praying,
then stilled.

nina and joni and i

nina simone is playing,
she kinda brings me down,
she knows the truth about life:
that love is fine,
love is fine,
until you lose it all.

i switch to joni mitchell,
and i kinda feel allright,
but she knows the truth about life:
that love is fine,
love is fine,

until it isn’t fine at all.

i sing as i do dishes
and tidy up my room.
and i think about my lovin’-
and that is fine,
that is fine,
and that is all.

quase haikai

logo a manhã
chega cá, de mansinho,
como um gato

encontros e (mais) desencontros

voce é a pedra de Rosetta
uma língua morta para qual não tenho tradução
ou pronúncia
nessa minha boca tosca
nessa minha boca torta
nessa minha boca para sílabas, não símbolos

voce é só consoantes,
sonantes-
e eu perdida em minha transcrição,
tento transliteração
e adaptando vou te perdendo

meu anjo de granito,
teu silêncio alienígena
me aliena

significando

é o fogo-frio, fogo-fátuo,
fogo no qual ponho minha mão,
por você, ou por mim,
ou por tudo o que sonhei, que perdi,
é o fogo que consome a teia, a trama,
que me consome, e me assola, me imola,
na fogueira ele queima o pecado
de algo que eu nem cometi
mas por qual eu morro
por ser mesmo assim culpada
-
e me expurga.

mas só às vezes

às vezes de tão cansada
pego no sono e a luz acesa,
a janela aberta,
pés vestidos,
entre livros,
entre agulhas,
entrecôte.

e eu nem tenho coragem de me arrastar,
muitas vezes,
de onde quer que esteja
que nem quero, não voltar.
não que queira lá,
não muito, mas eu fico.

eu durmo com um gato por cima,
um travesseiro entre as pernas,
e almofadas me cercam,
os olhos tampados-
quando eu durmo.

muitas noites eu memorizo os
contornos do meu ventilador,
derrubo minha luminária,
um acidente usual, casual,
quando me viro ainda outra vez
antes de deslizar para o chão.


às vezes de tão cansada
pego no sono como quem pega
na mão de um amigo,
de um amante,
de alguém que tem receio de perder.

cuspindo sangue

é automático,
pneumático,
o processo de deconstrução que acontece em torno
da caixa toráxica a
clássica prisão.

é diário,
é diurno,
e colaborativo -
à noite
respiro, reparo.

o travesseiro conhece o contorno da minha boca
que se enfia em sua barriga em soluços mudos, em arfadas.
minha barriga conhece o espelho e minha fome conhece o mundo.
eu não conheço o mundo;
eu conheço o mundo bem demais.

é enfático,
carismático,
o motivo principal que me consome,
me convence,
meu pulso fraco.

não sei se um dia vou conseguir dormir com a
porta do banheiro aberta
e não ser mais assombrada pelo fantasma dos seus azulejos.

desenlace

me puxa pela gravata
me chama de ingrata
me diz o que acha
da boca inchada
daquela mordida
que não é a sua
me ponha na rua
me faça vadia
na madrugada
me acha e me mata
mas pela sua mão
que me sinto vazia
e tão sozinha
a carne crua
sem a unha sua
marcada na pele
vem e me fere
mas volta para mim

do lácio ao ócio

hey, mister!
não gosto disso, eu falo baba,
falo cara, coroa, ou não falo nada
que o silêncio me consola mais
que os outdoors.

indoors fica uma tristeza pela flor,
né olavo?

não sei sambar

ele me disse que andava triste
e precisando de um pouco mais de quê-
nem sei.
mas eu que sempre soube de tudo que precisava,
achei que assim não dava.
(a verdade é que no fundo eu também não fazia idéia)


então nós caímos na dança, que era para não cair de vez.
e então, ele me disse:
desacelera meu bem.

mas, se a rima é torta, o que importa?
num mundo incerto, seja esperto,
fique bem juntinho e faça um auê.

dissemedisse

discutindo metalinguística no ponto
mas nem importa:
compreensão só quero essa,
a que sinto na ponta da minha língua,
que não precisa de mais interpretações
nem outras palavras
que por si só ela já basta
e vai além,
encontra a sua,
e não tem o limite de uma frase,
não é determinada pelo veículo.
aí,
o ônibus chega, mas a gente não entra,
vai embora de mãos dadas.

ultima parada

um solo de vinte minutos da banda de cool jazz

sai dos meus fones de ouvido e

se enrosca pelas minhas pernas enquanto eu ando pela cidade

ao rumo vadio dos gatos e dos desempregados, me sentindo cool também enquanto a voz que poderia ser minha

e não é

me fala de dor no coração como se eu não soubesse e

o piano e o tráfego se movem mais lentamente do que eu

nas ruas e no meu ouvido,

até que chego e troco vinte reais por mais do combustível

não me parece coincidência que, voltando para casa

todos os sinais estejam vermelhos.

mentholated

i kissed you

my lips dying a couple inches

further in the taste of you

that sweet menthol breath

ripped my feelings from

me

and i walked away desperate-

ly

hoping someone would come

pick me up and

rip me apart

tear that from me

the numbness

and the dreadful cold that

spread over

more and more

until there was no feeling left

the sweet menthol breath

but

no taste in me

i'd whisper 'i love

you'

over and over

with each thrust

and hope for the true death

not these little forays into

a country where there is no breath

até dois

o bico dos seus seios

escuro e rígido,

como um soldado,

um mecanismo de precisão,

um relógio,

o bico dos seus seios

entre os meus dentes,

quente e perfeito,

merece um poema.

setesetemeia

fazem dois anos, um mês e quinze dias

desde que você se foi

(sem contar aquele intervalo de tempo em que você estava aqui,

mas sem estar realmente)

e que não posso contar com você

nem te contar do meu dia

ou de qualquer um dos outros

setecentos e setenta e seis dias

desde que você se foi.


mas eu não estou contando.

desculpa, foi um engano

aquele dia eu te liguei,

atendeu a voz dela,

a sua ao fundo um sussurro;

bem longe,

mais distante

pela linha chiando,

com a voz dela

que não era a sua;

e o telefone mudo.

azul da saia

sua saia de algodão

perfeita para um tempo

como aquele,

as nuvens brancas e roliças

se espreguiçando num céu

de um azul tão vivo

quanto o algodão da sua saia,

justa na sua cintura

pequena

maior que as minhas mãos,

minhas mãos de criança

tentando alcançar as nuvens branquinhas,

no azul da sua saia

a fast

for thirty one days we fasted

living off our shared saliva

and hungry kisses

eating away at each other's bodies

and praying that absolution would

come

and that it would last

like our bones

white and permanent

and holding us up

above our pointy knees

and rocky ribcages

further than our entwined heads

that grinded against each other

like dancing skeletons

crazed and quick

and empty

except for the juices that said

we were alive

and unlike skeletons

our thighs felt warm against each other

and raw

and on the wednesday it ended

we got our revelation in the pumping

in our wrists.

breaking the ice

you put your mouth against

my dry chapped lips,

winter-hard and peeling,

and pushed with your tongue

like you could make me swallow both

your loneliness and mine.

but, i'd been choking long before,

ever since the last days of autumn

when everything started to freeze

and stood unchanging.

it was like being pent up in a room

bare, all walls and whitewash

and that.

no windows to look out of, just the room

and no anger, either, not anymore.

my clock inside kept ticking,

this tiny

metronome-

and i lost count.

there was no measure beyond

that of my ribcage and hips,

sizing my bones.

we just stood there, white and lovely,

the walls and i,

and still.

yet, your breath was warm against my face,

the frozen tip oh my nose,

like you swallowed fire, like your tongue.

and suddenly i could move

my body pressed against yours

my blood now pumping

to the drumbeats in my chest

- i thaw.

buatchysmos

aquela noite que não aconteceu:

que foi esquecida no fundo

de duas cubas libres e um shot,

e dos seus olhos;

e dentro da boate,

junto do meu relógio que se soltou,

do meu braço arrepiado

dentro dos seus,

com a sua língua

na minha garganta queimando

de tequila,

da sua língua

e dentro do banheiro,

no fundo

do fundo

até

o fundo,

da minha garganta queimando

daquela noite que

ah, nem lembro.