domingo, 5 de fevereiro de 2012

comida de hospital

as mãos dele

na minha cabeça

um beijo;

meus membros prostados em atenção na cama

esperando o toque de recolhida

daquele quarto horrível,

com seu cheiro de desinfetante e pele velha,

pintado por dentro do meu nariz

em várias camadas


Dr Carlos, eu disse,

com apenas a menor das hesitações,

num sopro tímido, inócuo,

e:

quando posso ir embora?

não respondeu, tirou as mãos

do meu cabelo oleoso, mal cortado,

as lágrimas queimando sem cair

naquele quarto familiar,

odioso


do corredor vinha o chiado,

um rádio longínquo, irreal,

sertanejo e estática,

rodas velhas se arrastando no linóleo usado,

marcado por uma procissão

de rodas, de doutores Carlos, de pele


e alguém tossia,

não sei se perto do rádio,

um som molhado


"disfarçando as evidências"


a cada pausa

meu próprio fôlego prendia, travava,

esperando o alívio que não vinha nunca

coçando no fundo da garganta, pressionando os seios da face


"mas pra que viver fingindo"


e engasgava com a minha canja morna

quase sem galinha, sem nem os ossos usados,

só os meus próprios ossos,

usados também

e um músculo flácido, uma língua,

preta e grossa,

morrendo

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