terça-feira, 4 de dezembro de 2012

sms: menos que três

na topografia do teclado
a tipografia das teclas
sob os dígitos, os calos
do escritor que penetra
a comunhão físico-cibernética,
transcende o espaço


as arestas do seu rosto
acendem sob o brilho do led
que pisca intermitente
bits e bytes
uma mensagem de amor
energia elétrica

quinta-feira, 12 de abril de 2012

toda uma vida

faz tempo:
eu tranquei a porta enquanto você fechava a janela
e, para garantir,
nos enfiamos debaixo da cama
para que você encostasse sua língua na minha
me mostrasse "como eles fazem"

faz tempo:
naquela rodoviária imunda
eu segurei na sua cintura,
impressionada com aquela circunferência perfeita,
tentei te puxar ao mesmo tempo em que você desviava
o olhar e o corpo
dizendo "aqui não"
dizendo "outra hora"
dizendo "o que os outros vão pensar"

faz tempo:
você elogiou minha saia comprida
meu cabelo comprido
meu batom aplicado sem a menor destreza
enquanto a boca dele manchava a sua
com tanta naturalidade

faz tempo:
vi as mechas do cabelo que você queria comprido
espalhadas pelo chão
meus olhos inchados e nus como o seus seios
flácidos, exauridos e
não senti nada
me senti leve

faz tempo.

no.24

meu corpo
é o cortejo do meu coração, aquele metrônomo
que bate torto
um leitmotiv, um scherzo,
a trauermarsch de todo dia
acelerada pelas dores que
nenhuma carpideira sofreria
por um trocado qualquer,
uma moeda suja da minha saliva mais suja
do que o vil metal:
o frete desse meu corpo imenso,
pesado de saliva e sangue
e da batida constante,
enlutado por uma cortina de cabelos que insiste em crescer
mesmo sem fôlego, sem
o ar que o meu pulmão,
um fole ineficaz,
circula com parcimônia
por entre o vazio das minhas costelas

meu corpo é a cova,
é o caixão e o sino.

quinta-feira, 1 de março de 2012

quente como a gente

verão

a chuva escorrendo preguiçosa

nas janelas

sua respiração

o suor

rolando pelas

suas coxas roliças

grudadas como meus

seios murchos

da sua boca cheia

de sal

escorrendo preguiçosa

pelo meu suor

o seu

domingo, 12 de fevereiro de 2012

fiz, mas não quis

sua língua
com uma camada de gordura
e gosto de cinzas
remexendo na minha como um cinzeiro
e gasta feito bituca
sua língua
na minha se debatendo
feito um peixe morto
na minha se debatendo
acuada

domingo, 5 de fevereiro de 2012

comida de hospital

as mãos dele

na minha cabeça

um beijo;

meus membros prostados em atenção na cama

esperando o toque de recolhida

daquele quarto horrível,

com seu cheiro de desinfetante e pele velha,

pintado por dentro do meu nariz

em várias camadas


Dr Carlos, eu disse,

com apenas a menor das hesitações,

num sopro tímido, inócuo,

e:

quando posso ir embora?

não respondeu, tirou as mãos

do meu cabelo oleoso, mal cortado,

as lágrimas queimando sem cair

naquele quarto familiar,

odioso


do corredor vinha o chiado,

um rádio longínquo, irreal,

sertanejo e estática,

rodas velhas se arrastando no linóleo usado,

marcado por uma procissão

de rodas, de doutores Carlos, de pele


e alguém tossia,

não sei se perto do rádio,

um som molhado


"disfarçando as evidências"


a cada pausa

meu próprio fôlego prendia, travava,

esperando o alívio que não vinha nunca

coçando no fundo da garganta, pressionando os seios da face


"mas pra que viver fingindo"


e engasgava com a minha canja morna

quase sem galinha, sem nem os ossos usados,

só os meus próprios ossos,

usados também

e um músculo flácido, uma língua,

preta e grossa,

morrendo